É sempre interessante navegar pelas páginas do Edelman Trust Barometer. Estudo proprietário da agência global de comunicação Edelman, que há 19 anos mede a confiança das pessoas de 28 países nas instituições Governo, Empresas, ONGs e Mídia, indica que o setor de tecnologia se mantém como o mais confiável do mundo, hoje com 78 pontos, e ressalta algumas expectativas e receios em relação à velocidade das mudanças nessa área.
Na edição de 2019, um dos pontos que mais chamam a atenção é a ampliação da vantagem do setor de tecnologia sobre os demais em termos de confiança. Se, em 2018, as empresas hi-tech estavam 5 pontos à frente das segundas colocadas, agora 8 pontos as separam dos setores Manufatura, Educação e Automotivo – os três com 70 pontos. O estudo verificou que, dos 15 setores da economia pesquisados, 14 se encontram na faixa de confiança, ou seja, acima de 60 pontos. Somente Serviços Financeiros permanecem na zona neutra, com 57 pontos.
A liderança das empresas do setor de Tecnologia se torna ainda mais significativa quando comparada às médias de confiança da população em geral no Governo e na Mídia (ambas instituições ostentavam 44 pontos em 2018 e, agora, têm 47, permanecendo na zona da desconfiança). Quando analisamos o recorte da chamada “população informada”*, no qual Governo e Mídia alcançaram 58 pontos, a diferença deixa de ser tão importante.
O poder que as empresas de tecnologia conquistaram com o passar dos anos e a onipresença na vida cotidiana dos consumidores podem explicar alguns resultados do Trust Barometer. Afinal, estamos cada vez mais imersos em apps e nas redes sociais. Quando os pesquisadores questionaram os entrevistados sobre o monopólio da informação, 65% dos respondentes no mundo concordaram com a opção “As empresas de tecnologia têm poder demais para determinar a que notícias os consumidores terão (ou não) acesso”.
No Brasil, a confiança nas empresas tech atingiu 87 pontos (9 a mais que a média mundial) este ano. Sendo que 60% demonstraram uma confiança forte no setor e 27%, uma confiança fraca.
Este é outro indicador interessante da pesquisa: países mais desenvolvidos tendem a ter menos “confiança forte” na indústria da tecnologia do que países menos desenvolvidos. Em Hong Kong, por exemplo, o índice geral é de 78 pontos, sendo que apenas 27% das pessoas confiam fortemente nas empresas; enquanto 52% têm confiança fraca. Na Holanda, que ostenta 75 pontos no geral, essa proporção é de 24% para confiança forte e de 51% para confiança fraca; e, em Singapura, que tem confiança média de 81, a proporção é 31/50. Do outro lado da balança, a Índia tem 89 pontos no geral, sendo 64% demonstrando “confiança forte”; na sequência aparece a Colômbia, com 86 de geral e 58 de forte.
Homem versus Máquina. O Trust Barometer também se aprofundou no setor de tecnologia para entender melhor o quanto algumas inovações são mais ou menos confiáveis na visão das pessoas. Globalmente, a líder nesse ranking foi a Tecnologia voltada à Saúde, com 74 pontos; na sequência vieram Internet das Coisas (67); Inteligência Artificial (62); Blockchain (56); e Veículos Autônomos (55) – os dois últimos já na faixa da desconfiança.
Uma das grandes frustrações dos entrevistados diz respeito ao ritmo das inovações tecnológicas. Para 47% dos respondentes no mundo e 49% no Brasil, ela é excessivamente veloz e isso leva a “mudanças que não são boas para pessoas como eu”. No âmago da maioria das respostas, percebe-se um certo medo de que a inovação represente menos vagas de emprego ou a substituição de mão-de-obra por linhas de código binário. Segundo o Trust Barometer 2019, globalmente, 59% das pessoas temem não estar qualificadas para os novos empregos que surgirão na esteira de uma revolução tecnológica que parece não ter data para acabar. E 55% receiam perder o emprego para sistemas automatizados.
Talvez essas porcentagens ajudem a explicar por que o setor de tecnologia tenha perdido tantos pontos de 2018 para 2019 quando o tema é “consciência do impacto positivo na sociedade e senso de bem comum”. Em 2018, entre a população em geral, o índice de confiança nas empresas tech caiu de 65 para 60 pontos, globalmente. E até mesmo entre funcionários dessas companhias: no ano passado, o índice estava em 77 pontos; agora, recuou para 70.
Um outro ponto que merece atenção no estudo é o que identifica o setor com mudanças positivas na educação. Cerca de 77% dos entrevistados pelo Trust Barometer no mundo consideram que as empresas de tecnologia devem ter um papel determinante na educação de crianças e adolescentes, para que adquiram as habilidades necessárias para viver em um mundo cada vez mais automatizado e online.
De dentro para fora. Até por causa disso, parece autoexplicativo o índice de pessoas que exigem que o setor de tecnologia se dedique, ao mesmo tempo, tanto a aumentar seus lucros quanto a melhorar as condições econômicas e sociais das comunidades onde as companhias mantêm operações.
Nesse quesito, a média mundial é de 73 pontos – era de 64 em 2018 –, o que significa que as empresas tech estão sendo vistas, cada vez mais, como as naves-mãe do desenvolvimento. No Brasil, esse índice é, hoje, de 78 pontos, 5 a mais do que no ano passado. O país que lidera esse ranking é o México, com 87 pontos (74 em 2018); o Japão está no outro lado do espectro, com 51 (48 em 2018).
Se a tecnologia vai ajudar a resolver os principais problemas econômicos e sociais do mundo só o tempo dirá. Mas os funcionários das empresas do setor no mundo esperam que sim. Cerca de 71% deles acreditam que seu trabalho pode fazer diferença; 77% sentem que suas preocupações em relação à sociedade e à economia são refletidas pela empresa em que trabalham; e 74% identificam o CEO como personagem fundamental para endereçar respostas a desafios da indústria e da política, às crises nacionais e às questões relativas ao dia a dia dos funcionários.
Mudam os tempos, mudam as vontades, já dizia o poeta. Esta edição do Trust Barometer capturou uma tendência que tem muitos pontos de contato com a geração Y, também chamada de Millennial, cuja principal característica é uma noção (às vezes exacerbada) de pertencimento.
Trata-se de um grupo cada vez maior de indivíduos, que já respondem por
mais de 50% da força de trabalho global e ditam regras nos mais variados setores da economia. Além disso, são vetores de campanhas com forte apelo social e ecológico (turbinadas pelas redes virtuais), muito mais informados sobre as questões relativas ao futuro do planeta do que as gerações que os precederam. E, por isso mesmo, difíceis de serem plenamente compreendidos.
O Trust Barometer joga um pouco de luz sobre os próximos passos. Agora, a bola está conosco, as empresas, e precisamos correr, para acompanhar o ritmo frenético dos acontecimentos.
(*) A chamada “população informada” representa 16% dos respondentes do estudo, e respeita 4 critérios: seus integrantes têm entre 25 e 64 anos; segundo grau completo; estão entre os 25% com maior renda familiar em seus países; e apresentam grau elevado de consumo de informações nas mais variadas mídias e engajamento em políticas públicas e noticiário de economia e negócios.
Natalia Martinez, vice-presidente executiva e líder de clientes regionais da Edelman Brasil