Radicada nos Estados Unidos há mais de 30 anos, a brasileira Daniela Jorge é Chief Design Officer do PayPal desde 2020, responsável pela experiência que os clientes têm com os produtos da empresa. Isso inclui desde a carteira digital (que os 425 milhões de clientes do PayPal utilizam diariamente em mais de 200 mercados), as interfaces do checkout transparente mais adotado por empresas ao redor do mundo (com 34 milhões de clientes), passando por todos os pontos digitais de contato com o consumidor.
“Meu objetivo sempre foi criar experiências únicas para o usuário”, diz a executiva, formada em Computação Gráfica e Design Industrial pelo Instituto de Tecnologia de Rochester (EUA) e que está completando seis anos de PayPal. “Parte do meu trabalho é realizar pesquisas constantes com os clientes. Por isso, acredito que consigo entender melhor do que ninguém como eles pensam e do que precisam.”
O Design Leadership Summit é um dos principais eventos sobre design no Canadá, no qual Daniela foi palestrante.
Daniela também representa uma das grandes preocupações da companhia: a equidade de gênero. Distante da realidade do mercado como um todo, o PayPal é um dos líderes globais no assunto e, desde 2006, quando se separou do eBay, paga o mesmo salário a homens e mulheres que desempenhem as mesmas funções. Mais do que isso: cerca de 45% do board da empresa é composto por executivas.
“Acredito que a força de qualquer organização reside na rica diversidade de seus talentos”, explica ela. “Como imigrante brasileira e defensora da equidade e da inclusão, trabalho para garantir que a composição da minha equipe de design seja um reflexo da base de clientes para a qual ela trabalha.”
Para celebrar a data do Dia Internacional da Mulher, a entrevista abaixo foi concedida por Daniela Jorge via plataforma digital, desde a sede da companhia, em San Jose, na Califórnia. A executiva falou sobre seu trabalho, sua vida no PayPal e compartilhou sua trajetória como um todo para inspirar outras mulheres e meninas. Acompanhe:
Como é sua rotina como Chief Design Officer na maior empresa de pagamentos eletrônicos do mundo?
Na foto, Daniela discursa na embaixada do Brasil nos EUA, com o embaiixador Nestor Forster Jr.
Daniela Jorge: Passo cerca de 30% do meu tempo em sessões nas quais nossos times apresentam projetos para novos produtos ou para mudanças em nossos produtos atuais. A conversa começa sempre com o foco nos clientes que vão usar essas soluções em seu dia a dia. Quem são, como esses produtos podem ajudá-los em algum aspecto de suas vidas ou do seu negócio, como vamos testar nossas hipóteses. Ao longo do ciclo de desenvolvimento desses projetos, os times continuam demonstrando os conceitos, os designs, o que estão aprendendo nos testes com clientes – depois do lançamento oficial, continuamos analisando os produtos, para saber se realmente estão funcionando e sendo utilizados como imaginávamos. Fora isso, também passo boa parte do meu tempo com o time, com nossos parceiros em outras áreas da companhia, e em sessões de mentoria.
O desenvolvimento do trabalho criativo demanda alto engajamento dos profissionais envolvidos. Que estratégias você costuma usar para criar uma liderança engajadora?
DJ: Nosso lema é que sempre devemos centrar todo o trabalho nos clientes. É importante desenvolver empatia, realmente conhecer e entender as necessidades deles. É isso que nos motiva. Estamos aqui para servi-los e proporcionar soluções que possam ajudá-los da melhor forma – melhor do que os nossos concorrentes. Essa mesma proposta também me guia como líder. Procuro entender as necessidades do time e de cada um de seus componentes para estar sempre alinhada.
O design de um produto ou serviço, quando bem feito, é imperceptível. Já quando mal feito, tem um efeito muito negativo na experiência do usuário. Qual a sua visão sobre a função e o objetivo final do design focado na experiência do usuário?
DJ: Você resumiu muito bem. Primeiramente, procuramos entender que soluções podem melhorar a vida ou o negócio de nossos clientes. Quais as necessidades deles? O foco é a utilidade, o benefício da solução. Esse modo de agir remete à origem do PayPal, que nasceu do insight de que mandar um cheque pelo correio após uma compra online era não apenas muito trabalhoso, mas também muito arriscado. Com esse conhecimento, partimos para a usabilidade. Nossas soluções precisam ser intuitivas, eficientes, fáceis de entender e de usar. E também procuramos identificar o que chamamos de “momentos mágicos”. Usando o mesmo exemplo do conceito original do PayPal, trabalhamos para que o checkout online seja transparente e que o cliente não precise digitar nenhum dado pessoal ou financeiro a cada compra.
Você sempre fala sobre práticas de design inclusivas e éticas. O que seria isso?
Viagem que Daniela fez com os pais, Charlotte e Miguel Jorge, à Croácia, em 2019.
DJ: Esse é um tema muito abrangente e importante na área de Design. Em termos de inclusão, procuramos entender a diversidade de nossos clientes quando estamos desenvolvendo produtos. A área de acessibilidade é um bom exemplo: precisamos considerar clientes com deficiências visuais que estejam usando ferramentas para navegar pelo nosso site ou aplicativo e, com essas informações, tomamos decisões ao longo do processo de design e desenvolvimento. Estamos sempre nos perguntando: “Quando usamos fotos ou ilustrações, elas representam a diversidade dos nossos clientes?”; “Estamos desenvolvendo soluções que facilitam as compras online, mas que também ajudem com que as pessoas consigam ter uma visão de seus objetivos financeiros?”.
Como você faz para balancear sua vida como executiva do PayPal e sua vida pessoal?
DJ: Gosto de pensar nesse tema como uma integração de todas as partes da minha vida. Por exemplo: agora, que estamos em home office, reservo tempo no meu dia para me exercitar. Durante o fim de semana, tento realmente me desplugar, para começar a semana com a energia necessária para servir nossos clientes e o meu time. Também gosto muito de viajar. Aliás, estou entrando em um sabático, que o PayPal proporciona a seus funcionários a cada 5 anos, e vou passar algumas semanas no sul da Bahia, com a minha família.
Em seu perfil no LinkedIn há a seguinte autodefinição: “DEI & Social Justice Champion”. Qual a sua visão sobre esses temas?
DJ: Como designer, sempre dei extrema importância à diversidade dos times que chefiei, porque os clientes que servimos são extremamente diversos. Como imigrante, muitas vezes tenho uma perspectiva diferente e consigo antecipar que certas decisões ao longo do desenvolvimento de um produto podem beneficiar ou, acidentalmente, excluir certos grupos. Por isso, me dedico não apenas à formação de equipes diversas, mas também à priorização das necessidades dos diversos grupos de clientes que temos quando vamos tomar decisões no PayPal. Na área de design, buscamos também investir na diversificação da nossa função de um modo geral. Costumamos patrocinar programas para estudantes latinos e negros, para apresentá-los a carreiras com foco em design. No ano passado, por exemplo, criamos uma bolsa em uma faculdade de Design aqui nos EUA voltada exclusivamente para estudantes latinos e negros.
Como vê a evolução da mulher no mercado de trabalho, comparando o atual cenário com o começo da sua carreira?
Daniela no Grace Hopper Celebration de 2018, uma das maiores conferências mundiais de mulheres na tecnologia.
DJ: Desde a infância, tive uma experiência muito positiva em relação a mulheres na liderança. Minha mãe começou a carreira como professora universitária e, quando eu ainda era bem pequena, mudou de vida e se tornou empreendedora – sócia de uma editora que publicava revistas para um público-alvo bem masculino, sobre motociclismo, mecânica e eletrônicos. Essa experiência da minha mãe fez com que eu nunca duvidasse da minha capacidade de me tornar líder, e me ajudou muito ao longo da minha carreira. Quando me mudei para o Vale do Silício, passei a trabalhar em companhias de tecnologia e tive a experiência, muitas vezes, de ser a única mulher em grupos de trabalho ou reuniões. Acho que esse cenário está mudando, mas muito lentamente. Precisamos incentivar, nas meninas, o interesse por áreas mais ligadas a tecnologia, tanto em casa como na escola. E companhias como o PayPal precisam continuar focando na contratação de mulheres e em criar oportunidades para elas, principalmente quando falamos sobre cargos de liderança em áreas mais técnicas.
Como é ser uma líder mulher no PayPal? A questão de gênero entra em jogo em alguma situação?
DJ: Procuro ressaltar o benefício que a minha visão como mulher traz para certas decisões da empresa. Quando estamos trabalhando em um conceito, penso em como a experiência de uma cliente talvez seja diferente da experiência de um cliente. A questão do abuso online, por exemplo, que ocorre com mais frequência em mídias sociais, mas que também pode acontecer em uma transação peer-to-peer que inclui mensagens. Com isso, tomamos o cuidado para criar uma experiência que seja a mais segura possível para nossas clientes.
Qual a sua visão sobre sororidade e a liderança feminina? Isso tem um peso nas suas iniciativas de mentoria?
DJ: Sempre achei muito importante apoiar outras mulheres e tive muita sorte em criar elos de confiança com colegas ao longo dos anos – colegas que me ajudaram como mentores e mentoras e até hoje estão no meu “board of directors”. Como acredito muito na importância da diversidade, me dedico a cultivar as próximas líderes para que as gerações futuras alcancem esse objetivo de igualdade. Mas confesso que só percebi a verdadeira importância disso há alguns anos. Uma colega me disse que tinha mostrado para sua filha que a VP de Design do PayPal era mulher – porque queria que a menina tivesse exemplos de liderança que se parecessem com ela. Isso me marcou muito e se tornou uma grande responsabilidade, usar meu privilégio para apoiar e investir em futuras líderes.
Que conselho daria a mulheres de todas as idades que buscam uma trajetória profissional similar à sua?
Foto de Daniela e sua irmã, Mikha, em viagem à Montenegro, em 2019.
DJ: Acho fundamental entender o que te motiva e investir nisso. No meu caso, sempre fui focada em criar experiências melhores para facilitar a vida das pessoas. A partir daí, vi que eu era uma boa designer, mas que era melhor ainda quando estava criando espaço para designers melhores do que eu. Ser líder multiplica meu objetivo e é muito gratificante, não por me permitir servir os clientes com bons serviços e produtos, mas também o meu time. Nunca perdi esse foco e acho que isso me ajudou muito. Outro conselho: encontre bons mentores e aliados – que nem sempre precisam ser mais sêniores do que você. Meus colegas de time foram tão decisivos na minha trajetória quanto meus chefes.